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Carta de uma ex superiora - SSVM


A seguinte carta nos chegou de uma ex servidora, membro da rama feminina Servidoras do Semhor e da Virgem de Matrá, durante 8 anos. Ela decidiu deixar a vida religiosa antes de receber os votos perpétuos. Foi superiora de irmãs de votos perpétuos por quatro anos e diretora vocacional da SSVM nos EUA/Canadá por dois anos, quando somente era uma irmã de votos temporais.
Se você pretende fazer parte da SSVM, considere as preocupações expressas em sua carta. Se você gostaria de entrar em contato com ela, envie-nos um e-mail aqui no blog IVEINFO e nós lhe enviaremos sua informação de contato.





Caros leitores,
Embora meu prefácio aqui seja uma publicação em si, é realmente a carta abaixo que eu pretendia compartilhar com os leitores. Escrevo este prefácio para fornecer alguns antecedentes à carta, que foi dirigida especificamente aos superiores e irmãs que conheci pessoalmente e que conheciam os detalhes do meu tempo na vida religiosa com a SSVM.

Fui irmã da SSVM conhecida como Maria Lumen Christi por quase 8 anos (2004-2011) na "Província da Imaculada Conceição" (isto é, América do Norte). Passei pelo noviciado e juniorado em Maryland e Washington DC, respectivamente. Após o juniorado fui designada como Superior Local para o apostolado na Igreja de St. Paul's em East Harlem, New York.

Naquela época, eu tinha 26 anos de idade e estava  com apenas dois anos de votos simples. Foi-me pedido para ser superiora de um convento de irmãs mais velhas do que eu, tanto em idade como em vida religiosa. Três delas já tinham votos perpétuos há muitos anos. Além de ser superiora daquela casa, durante os quatro anos seguintes fui também Diretora Vocacional, Liturgista Provincial, e durante um ano inteiro fui Diretora de Educação Religiosa Paroquial, porque a irmã que se encarregava dessa tarefa teve que voltar para casa para cuidar de sua mãe. Lá, acolhi muitas jovens em nosso convento, conversei com elas sobre discernimento, entrevistei-as e as encorajei a viver nosso modo de vida. Tenho certeza de que alguns leitores são parentes ou amigos de meninas que entraram no Instituto sob minha supervisão.

Em resumo, eu era uma mulher jovem, inexperiente em missões, com uma quantidade injusta e louca de trabalho e responsabilidades (incluindo ser responsável por outras irmãs e suas vidas religiosas), colocada em posição de liderar outras enquanto tecnicamente eu ainda estava (ou deveria estar) em formação. Participava das missas e adoração todos os dias, mas sempre fui responsável pela música e pela liturgia, portanto, mesmo no meu tempo de oração nunca foi completamente sem "trabalho". Claro que, enquanto eu estava dentro, fiz tudo isso com intenção inocente, confiando que "Deus me daria a graça" e fazendo o meu melhor para ser gentil com todos, com um sorriso sempre no meu rosto. No entanto, o resultado final foi meu colapso mental e emocional.

"Na tentativa de ser servidora, eu tinha "me perdido" e, no entanto, não havia "alegria" nisso. Como muitas das minhas companheiras SSVM que, em nome da generosidade, tentavam morrer para si mesmas, eu estava deprimida, exausta e infeliz, mas tentei por muito tempo permanecer alegre por fora. Finalmente, eu não aguentei mais. As que moravam comigo na Comunidade de Avondale durante o verão de 2011 sabem, deixei de comer e de ir às refeições, chorava diariamente. Felizmente, e graças à coragem e fortaleza que tive pedi para sair, faltavam apenas uns meses antes votos perpétuos. Saí depois de anos como  superiora encorajando outras jovens a entrar no rebanho, naquele rebanho do qual eu tanto precisava me afastar.

Desde então, voltei pacificamente a ser eu mesma, neste belo mundo. Tive vários empregos, fiz amigos e, o mais importante, encontrei coisas que adoro fazer na vida. Mantive contato com vários amigos da SSVM/ IVE ao longo dos anos e ainda assim a necessidade de escrever a seguinte carta continuava falando dentro de mim. Assim que  escrevi e enviei a todos as superioras que conheci (incluindo General, Vigário, Provincial e formadores), bem como a todas as irmãs que conhecia e podia contatar-me. Também a enviei para um pequeno grupo de IVE que também conhecia pessoalmente.

Desde o envio no mês de  outubro, não recebi ainda uma única resposta de nenhum dos superiores ou sacerdotes, nem da grande maioria das irmãs em geral. Eu vivi, trabalhei, joguei e rezei com todos aqueles religiosos por quase 8 anos. Fui amada e respeitada dentro do Instituto. E ainda assim, depois que escrevi uma carta sincera, fundamentada e comovente sobre minhas preocupações desde de um ponto de vista fora do Instituto, recebi como resposta um absoluto silêncio. Cerca de 6 ou 7 responderam, a maioria dos quais receberam minhas preocupações com carinho e gentileza. Dois superiores locais (antigos amigos, infelizmente) responderam com dureza, defendendo seu modo de vida.

Com as publicações neste blog sobre o declínio do número de padres e paróquias, entre outras notícias recentes do IVE, sinto que é hora de postar minha carta também aqui. De qualquer forma, está ao alcance de todos, pois  enviei também para muitos amigos e familiares, para que possam estar informados sobre minhas experiências. Portanto, aqui a deixo  em sua totalidade. Minha intenção é lançar luz na escuridão, mas com um coração sincero e compreensivo, por ter vivido do outro lado e compartilhado durante muitos anos de minha vida. Ficaria feliz em poder dialogar com qualquer pessoa interessada, amigo, membro de algum familiar ou membro atual do Instituto.

***

12 de outubro de 2015

Caríssimas Irmãs,                                                           

Espero que esta carta encontre a todas bem, saudáveis e felizes em sua missão, onde quer que estejam. Por favor, saiba que estou enviando isto a vocês pessoalmente, pois com vocês compartilhei meus quase 8 anos de vida religiosa e, portanto, são muito importantes para mim.

Antes de mais nada, quero deixar claro que sou grata pelos meus anos de vida religiosa e que não trocaria a decisão de ter abraçado um dia essa vida. Cresci de muitas maneiras maravilhosas durante meu tempo no convento e formei muitas relações incríveis durante meus anos lá. Até hoje, eu sei que certos hábitos de humildade, vida comunitária, organização e abertura a novas culturas vêm do meu tempo na Família Religiosa. Sem mencionar algumas viagens incríveis que fizemos à Argentina, o Grand Canyon e os verões divertidos no norte do estado de Nova York. Finalmente, uma parte especial do meu coração viverá para sempre nas ruas de East Harlem. Esse bairro com sua intensidade bonita e crua, tanto esse lugar como as pessoas que aí conheci durante meus últimos e intensos quatro anos me receberam e me abraçaram enquanto eu crescia, sofria e amava.

Em segundo lugar, quero assegurar-lhes que estou escrevendo tudo isto a partir de uma vida plena, brilhante e feliz que agora levo como leiga. Tenho uma vida maravilhosamente plena e criativa em casa, uma mistura equilibrada de vida social, solidão, passatempos e um trabalho satisfatório. Enviar esta carta representa para mim um duplo motivo: expressar meus pensamentos a vocês, uma obrigação que sinto para com aqueles que considero minha "família religiosa", e, em segundo lugar, simplesmente desabafar e compartilhar pensamentos que estão guardados na minha consciência a muito tempo.

Decidi escrever porque nem todos os meus 8 anos foram bons e bonitos. Muitos hábitos e decisões durante minha vida religiosa foram, creio eu, errados, prejudiciais e insalubres. Isto não é culpa de ninguém e não estou aqui para culpar nenhuma superiora, conselho ou pessoa. Pelo contrário, tendo sido superiora durante 4 anos e diretora vocacional por 2, sei muito bem que todos nós (superioras e irmãs) estávamos simplesmente fazendo o que nos ensinavam e acreditávamos ser bom e de acordo com o que Deus queria. O problema é que às vezes até mesmo as melhores escolhas e práticas intencionadamente boas podem ser prejudiciais a uma pessoa. E é por isso que escrevo. E, apenas para esclarecer, minha intenção com esta carta é que seja realmente uma espécie de último recurso.

Durante meus anos no convento, conversei cara a cara com os superiores, uma ou duas preocupações de cada vez, de uma forma honesta, mas não sinto que essas conversas tenham sido eficazes e não senti muito compromisso por parte do Instituto. Portanto, escrevo isto agora, brevemente explicadas, minhas preocupações  porque assim  conduz meu discernimento.

Tendo agora a clareza da retrospectiva, cheguei à conclusão de que o Instituto como um todo perpetua várias práticas (físicas, emocionais, mentais, espirituais) que são insalubres ou falsas. Estas práticas têm me afetado de muitas maneiras negativas, as quais precisei de tempo, espaço e apoio para curar-me ao longo dos anos. Isto é importante mencionar, pois, considerando que eu vim de (e voltei a) um sistema familiar amoroso e solidário, tinha minha auto-estima saudável, mente e coração estáveis, mas fui debilitando-me pouco a pouco dentro desse sistema,  de la Família Religiosa que é o VE.. Muitas das que entram -de repente- não são tão afortunadas como eu, em termos de ter uma família, um apoio e uma identidade saudável (tendo sido diretora vocacional,  ouvido histórias pessoais de muitas meninas e vivido com muitas companheiras religiosas, posso dizer isto com confiança). É por isso que estou preocupada ao ponto de escrever isto. Acredito que o estilo de vida que o Instituto leva, embora parte dele seja verdadeiramente bom e de serviço à humanidade, inclui algumas maneiras muito prejudiciais e manipuladoras de pensar e comportar-se, o que pode ter conseqüências negativas para seus membros.

A intenção desta carta é apontar de uma maneira concisa, simplesmente por preocupação pelas que ainda estão dentro. Não pretendo persuadir ninguém a deixar a vida religiosa, mas, simplesmente para estar ciente destas coisas e de suas consequências, saber usar o coração e a mente para estar ciente deste estilo de vida. Honestamente, para que possam dar a si mesmas a permissão de usar sua mente e seu coração como Deus quer, em união com Ele, e assim poder discernir

Estou escrevendo para lhes dizer o que vi porque esta intenção sempre esteve continuamente no meu coração e não fazê-lo seria uma espécie de traição a essa inspiração. É um impulso que não me abandonou e se baseia numa genuína preocupação por cada uma de vocês como pessoas e, em particular, como meus irmãos e irmãs na vida religiosa, o que, como todos sabemos, é um vínculo único. Não é um impulso em "contar minha história", mas sim compartilhar minha preocupação, a partir da minha experiência pessoal de ter vivido no Instituto. Escrevo também aos superiores, que têm o poder de mudar as coisas para um modo de vida mais saudável para todos. Espero que vocês levem a sério algumas destas preocupações, sabendo que sou uma pessoa “com os pés no chão" que esta carta provém da mais pura honestidade e amor, com a esperança de bondade por encontrar a verdade.

Fui ferida e extenuada por muitas coisas na vida religiosa, ou melhor, me deixei ser, acreditando que este era o caminho para a santidade, para a vontade de Deus para minha vida. No entanto, acabei miserável, agotada  e triste. Estas são as coisas que me preocupam:  

→ Tempo livre / descanso verdadeiro: olhando para trás, acho o horário do convento insalubre e sobrecarregado, não permitindo descanso e recuperação suficientes de um estilo de vida tão exigente e não levando em conta as diversas formas em que diferentes tipos de pessoas precisam de mais descanso e recuperação. Nesse "tempo livre" nunca me senti verdadeiramente livre porque sempre tive algo para pôr em dia: liturgia, catecismo, culinária, etc. Os "dias de folga" eram realmente apenas algumas horas nas tardes de domingo ou nas duas segundas-feiras do mês na vida apostólica, nenhuma das quais equilibrava o bastante a agitada e estressante programação semanal. Como religiosos, trabalhamos, estudamos, rezamos e jogamos, somos simplesmente seres humanos, por isso merecemos tempo suficiente para descansar e recuperar o estilo de vida exigente da maneira que preferimos. Olhando para trás, gostaria que tivéssemos mais tempo para dormir (sem nos sentirmos culpados ou egoístas) com um horário mais equilibrado de responsabilidades, para não ficarmos tão sobrecarregados de trabalho e não precisarmos complementar aqueles trabalhos com o "tempo livre", que no final aqueles tempos livres não eram realmente livres, pois, não podíamos fazer livremente o que queríamos. Isso nos leva ao próximo tópico.

→ O que você gosta de fazer? - Ao voltar ao mundo e ter realmente tempo livre, percebi que não tinha ideia do que eu gostava de fazer com meu novo tempo livre. Depois de 8 anos de vida intensamente programada, me dei conta do quanto me sentia cansada para incentivar qualquer coisa extracurricular durante os "dias de folga", e voltei pra minha casa aos 30 anos, sem ter ideia do que poderia ser realmente agradável na vida. Eu só conhecia liturgia, CCD, listas de afazeres, reuniões e e-mails. Acho preocupante que após 8 anos no Instituto, uma mulher adulta não saiba o que é prazer na vida, que não tenha tido tempo ou energia para fomentar as coisas que a encantam. Comecei a entusiasmar-me a experimentar com a pintura, a dança, o pilates, a leitura (livros não só de santos!!) entre outras coisas, o que expandiu minha alma, me encantou e me ajudou a me sentir relaxada e renovada para começar uma nova semana de trabalho. Isto só aconteceu porque finalmente tive tempo suficiente, não só para dormir e descansar meu corpo, mas ainda mais, tive  tempo verdadeiramente livre e sem pressa para desfrutar de coisas novas. Acredito que ter muito tempo para incentivar os passatempos produzirá pessoas religiosas mais felizes, cheias e saudáveis, prontas para enfrentar a próxima semana mais renovadas!

→ O Paradoxo de um Nome - Sendo a congregação do Verbo Encarnado, acho irônico que façamos um trabalho tão pobre de cuidar de nossa própria ‘encarnação’, ou seja, de nossos próprios corpos, que são tão magníficos e dignos de cuidado e honra como qualquer outro ser humano a quem servimos e atendemos. Honramos a Jesus, que, ao se tornar Carne, tocou nossa humanidade com a divindade, e ensinamos que somos maravilhosamente feitos em grandes e complexos detalhes, e ainda assim parecemos estar no Instituto continuamente treinados para ignorar nossos próprios corpos, para puni-los, para trabalhá-los sem atender seus pedidos de descanso ou alimentação, e geralmente para não pensar muito neles. Não somos nós corpo e alma, o próprio Templo do Espírito Santo? Por que na SSVM, não nos é permitido o espaço para escutar nossos corpos, para nos conectarmos com eles, para cuidarmos do que Deus nos deu de uma forma mais completa, para que, por sua vez, possamos servir melhor aos outros? Por que é tão tabu conectarmo-nos com nós mesmos de uma forma equilibrada?

→ Vocação - Em resumo, entendo o ensinamento do Instituto de que, se Deus me chamasse e eu entrasse, claramente Deus queria que eu fizesse os votos perpétuos e ficasse para toda a vida. Entretanto, esta compreensão da vocação simplesmente não é verdadeira e um estudo honesto do ensino da Igreja pode mostrar que o tempo em formação (para homens ou mulheres) é claramente para um discernimento contínuo sobre se a vida religiosa é ou não o seu caminho. O Instituto não apresenta os anos de formação desta maneira e eu vim a acreditar que Deus pretendia que eu fosse uma irmã para sempre e este pensamento acabou me tornando muito miserável e triste. Entretanto, fiquei por um fio por alguns anos difíceis só porque acreditava desesperadamente nesta compreensão da vocação e não queria trair a Deus. Foi num momento de luz e graça que fui capaz de arrancar tudo isto e ouvir a voz de Deus em meu próprio coração dizendo: "Eu sou seu bom Pai e eu só quero sua verdadeira felicidade. Eu jamais gostaria que você estivesse em uma vida onde se sentisse continuamente miserável, triste, e não si mesmo". Desde aquele momento o ouvi em meu coração, segui sua paz e me senti livre.

Deixar o convento - Como mencionei acima, os anos de formação são para um discernimento contínuo e, portanto, se alguém optar por deixar o convento, essa é uma decisão perfeita e boa e a comunidade deve tratá-lo como tal. Seminaristas deixam os seminários e religiosas deixam os conventos, isto acontece em todos lados! É admirável, é bom tomar a decisão de  partir se você chega a conclusão que não é para você. Durante meus anos no Instituto, sempre me senti como se houvesse segredos, escândalos e estigmas ligados à saída de irmãs. Ninguém perguntaria ou diria nada, de repente elas simplesmente não estariam mais na mesa, e muito raramente os veríamos ou ouviríamos falar delas novamente. Por causa de tanta pressão e expectativas exageradas colocadas sobre a vocação, a perseverança, os votos finais e a ordenação para os seminaristas, há uma vergonha ligada, como se você falhasse na fidelidade a Deus e a sua vocação. Isto simplesmente não é verdade e eu acho que o Instituto presta um mau serviço a seus membros quando enfatizam tanto a vocação e a perseverança, porque é muito provável que a maioria dos que entram não seja sua vocação, mas não tomam uma decisão por causa de falsos ensinamentos e um estigma ligado à saída. Pelo menos foi assim que me senti durante muitos anos e me lembro da atmosfera em torno daqueles que partiram. Embora, não me arrependo do tempo que vivi no convento, ao mesmo tempo, deixar a vida religiosa foi a melhor decisão da minha vida até agora e tenho sido mais feliz e mais livre desde então.

→ Irmãs que partiram - Isto é principalmente para as Superioras, mas é relevante para qualquer pessoa que tenha discernimento para deixar a vida religiosa. Ao sair do convento e regressar ao mundo, raramente obtém informações de contato de outras ex-irmãs das SSVM, tampouco são proporcionadas. Quando partimos, raramente nos lembramos dos sobrenomes das irmãs com quem vivemos, não sabemos, por falta de experiência  navegar nas redes sociais e, portanto, não temos como entrar em contato com outras que passaram pela vida religiosa como nós. Felizmente, eu já tinha amigos que tinham partido e suas amizades foram inestimáveis para mim. É essencial ter o apoio de outros antigos ssvm ao sair. Fico perplexa por que os superiores não se contactam com os que saímos nos últimos anos, que fizemos a transição sem problemas e que ainda permanecemos em contato, e desta forma tentar construir uma “ponte” de apoio entre o interior e o exterior do convento. Uma irmã que deixa a vida religiosa, muitas vezes precisa de amigos leigos, e quem melhor do que aqueles que a precederam na viagem de volta ao mundo? Tanto na Argentina como aqui, existem grupos privados no Facebook iniciados por nós, apenas para aquelas que deixaram a ssvm como forma de se conectarem. É uma necessidade, é saudável e útil. Por que os superiores do Instituto não encorajam isso quando uma vai embora? Por que não aproveitar de mim e de outros que oferecemos abertamente nossa companhia aos ex que estão partindo? Ajudemos a construir “pontes” de amizade em vez de deixar as peças estagnadas. Nós temos os materiais; só precisamos conectar a todos! ☺

→ "Generosidade" - Acho que o conceito de generosidade é excessivamente utilizado no convento e mal compreendido. A idéia de generosidade é perpetuada como uma forma de servir a Deus abnegadamente em todos os momentos, de todas as maneiras, interior e exteriormente.  Esta palavra-chave é usada quando se encoraja a outros no discernimento para responder à sua vocação, exortando os membros a oferecer-se voluntariamente para os distintos trabalhos ou tarefas, elogiando a aqueles membros por seus sacrifícios, como levantar mais cedo, perder uma soneca depois do almoço, usar o tempo livre para fazer algo pela comunidade, etc. Lembro-me que o dogma da generosidade estava tão enraizado em minha mente que em certo momento decidi simplesmente oferecer-me a tudo, nunca dizer não ao que Deus estava me pedindo, ou me sentir culpado por ser egoísta. Embora haja uma bondade óbvia nesta virtude, também deve haver um equilíbrio, como em tudo. Deus não quer que você se ofereça a tudo ao ponto de exaustão, dores de cabeça, insônia, irritação. Isto vai de mãos dadas com a ideia de cuidarmos de nós mesmos. Se estamos realmente cansados e nosso corpo está pedindo um descanso, simplesmente não devemos oferecer levar a uma  irmã ao médico durante a sesta, por exemplo. De este modo aprendemos a escutar nosso corpo de forma honesta e equilibrada, e isto não deve ser considerado "não generoso". Sinto que o conceito de generosidade é usado no Instituto de forma injusta e desequilibrada, a ponto de obsessão. É autenticamente generoso cuidar de si mesmo e criar limites saudáveis, para poder  servir aos outros e a Deus de forma mais feliz e eficiente.

→ Os Sacerdotes - devo começar esta seção dizendo que tenho um profundo apreço por um punhado de sacerdotes do IVE que me guiaram durante meus anos no convento. Sei que suas intenções eram e são boas, que no fundo são homens bons, buscando amar a Deus e aos outros. Este capítulo não é dirigido a nenhum sacerdote em particular, mas fala de um tema mais amplo.

O Instituto dá uma atenção exagerada ao padre, a ponto de as irmãs serem formadas para fazer basicamente o que o padre quer, como e quando ele quer, aprendendo sutilmente a não ter voz diante deles e a ceder sempre ao que  ele diz. Parece exagerado, mas todos nós sabemos que não é. A parte complicada é que este comportamento aprendido e submisso das irmãs esconde por trás uma cultura exagerada que reverencia o sacerdote, defendendo tudo o que eles fazem como se fossem o próprio Jesus Cristo. Assim, servir ao padre torna-se equivalente a servir a Jesus. Servir-lhes em troca de tudo o que eles fazem "heroicamente" por nós (sacramentos, direção espiritual, aulas, etc.), devemos-lhes nosso serviço atencioso de gratidão. Entretanto, este serviço acaba parecendo e fazendo-nos sentir simplesmente como suas servas, atendendo a todas as suas necessidades pessoais e apostólicas. Mesmo sendo superiora eu me sentia assim a maior parte do tempo. Exemplos rápidos seriam: levar-lhes em carros, limpar suas capelas, cozinhar para eles. As ssvm são literalmente (além de suas outras funções) as motoristas dos padres, as faxineiras e cozinheiras. Não creio que isto seja o que as mulheres religiosas estão chamadas a fazer. Francamente, não acho que este tipo de relacionamento seja bom para nenhuma das partes. Vi que as habilidades, inteligência e idéias das irmãs são frequentemente ignoradas e elas preferem "o que o padre quiser". Quando voltei para casa e comecei a trabalhar em uma paróquia, levei muito tempo para encontrar minha voz e me sentir à vontade para falar com o sacerdote como um parceiro e um adulto.

Tive também um problema com a forma prepotente como as relações entre religiosos e religiosas são controladas, especialmente durante a formação. É escandaloso que um seminarista e uma irmã se falem ou interajam um com o outro. É tão exagerado que eu acho que tem o efeito contrário, colocando mais foco na questão da castidade do que se as relações fossem permitidas como naturais.


→ Superiores jovens - Talvez até agora este tópico já tenha sido abordado ou esteja diminuindo, mas ainda acho que uma palavra precisa ser dita sobre a eleição de irmãs muito jovens (em idade e em vida religiosa) como superiores. A desculpa era que, "somos um Instituto jovem" não faz mais sentido, pois já existimos há mais de 30 anos. Duas preocupações principais nesta área:

Em primeiro lugar, colocar uma irmã muito jovem num papel tão absorvente pode dificultar seu desenvolvimento humano de muitas maneiras. Fui superiora diretamente do Juniorado, aos 26 anos, na verdade outras mais jovens sofreram o mesmo destino. Minha principal preocupação ao nomear as tao jovens como superioras é que, devido ao aumento das responsabilidades, estresse e restrições de tempo impostas em seu novo papel, já não têm tempo para se desenvolver como  pessoa humana, suas paixões, sua identidade fora de ser  "Mãe". A vida de uma irmã normal é muito cheia de responsabilidades e ocupações com pouco tempo livre, como sabemos, e a vida de uma superiora é o dobro que, portanto, uma irmã de 26 anos não tem vida ou tempo para si mesma, nenhum espaço para "crescer" fora de se tornar uma "Mãe", assumindo alegremente todas as responsabilidades. Quando me pediram pela primeira vez ser uma superiora, lembro-me simplesmente de sentir que estava "sacrificando" ou "morrendo para mim mesma" e era isso que Deus queria. No entanto, regressei a minha casa aos meus 30 anos e não tinha ideia de quem eu era, do que eu gostava ou pensava, fora da minha personalidade como "Madre  Lúmen". Eu me formei em sexto lugar na minha  turma do ensino médio, com um summa cum laude 3,8 da faculdade e passei anos repleto de atividades esportivas e recreativas antes de ingressar no convento e mesmo assim, aos 30 anos, senti que não tinha idéia de quem eu era fora do hábito e do véu. Meu papel como superiora estava tão impulsado constantemente pelo trabalho, que passaram 4 anos cruciais de minha juventude sem que eu me tornasse uma verdadeira adulta, sem me conhecer e sem aprender a confiar em mim mesma. Acho isso triste. Desde que saí do convento, me dediquei a conhecer-me, conhecer e desfrutar da liberdade de criar minha própria vida.

Em segundo lugar, sinto que o Instituto escolhe superioras que, como eu, têm uma personalidade responsável e alegre. São o tipo de pessoas que acreditam em tudo, se comportam de forma obediente e alegre e se sentem mais seguras mantendo todas na linha, de uma forma agradável. Esta prática parece servir para manter o Instituto funcionando como está, sem parar para questionar coisas que podem ser seriamente questionadas! Em contraste, as irmãs que são um pouco mais abertas e independentes são frequentemente ostracizadas e  procuram dão dar muita responsabilidade, um fato que vale a pena notar. Posso nomear uma dúzia ou mais de superioras durante meu tempo que tiveram personalidades semelhantes às minhas e que também eram muito jovens. No início é bom fazer parte de um grupo tão maravilhoso, mas olhando para trás, parece que fomos escolhidas só para continuar a dirigir o navio em linha reta, com um sorriso, e que tudo que passasse no interior fosse visto como perfeitamente bom e aceitável. E começamos a acreditar que assim é!

Saúde: acredito que, no Instituto, não conseguimos dormir o suficiente. A vida normal e cotidiana de um membro é cheia e estressante, dormir o suficiente é imperativo para que o corpo e o cérebro se recuperem e rejuvenesçam. Não descansar na hora da sesta, por exemplo, ficar acordado até tarde e acordar "heroicamente" cedo são terríveis, especialmente no contexto de uma vida já estressante e pior se sustentada a longo prazo. Tudo isso pode levar à fadiga adrenal, o que significa que seu corpo, tendo permanecido em um estado de alto estresse sem alívio, acabará por debilitar-se, sentir-se constantemente exausto, adoecer, não ser capaz de conciliar o sono  ou funcionar bem, etc.

Em segundo lugar, somos humanos e temos uma vida emocional que precisa de cuidado e atenção. O Instituto falha miseravelmente ao não permitir que seus membros sintonizem e processem suas emoções de uma maneira regular e aceitável. Alguns vão à terapia, mas somente aqueles com histórias de vida dramáticas. Como qualquer pessoa pode investigar, quando as emoções são ignoradas, evitadas ou quando se sente envergonhado dos próprios sentimentos, tudo isso tem conseqüências para a saúde. Se você se pergunta por que certos padres ou irmãs estão sempre doentes, com alergias, não conseguem se recuperar de um resfriado, sempre com enxaquecas, com problemas de estômago, pode ser definitivamente devido à supressão ou ignorância das emoções, juntamente com o estado geral do Instituto e a sensação de zombaria ao redor mostrando emoção. Todos merecem um espaço para processar em seus corações e saber o que é saudável fazer fora da direção espiritual ou do diálogo com a  superiora que é o padrão determinado dentro do convento.

Um sentimento geral de desconfiança de si mesmo e das emoções é fomentado por deferência às superioras e SDs, o que é preocupante. Foi um momento novo e rebelde para mim quando escutei meu coração e segui a voz de Deus para deixar a vida religiosa. Eu não fazia isso há anos por causa da própria vida religiosa e ainda assim foi uma das melhores e mais livres escolhas da minha vida. Este tópico (vida emocional e saúde em geral) deixa muito a ser discutido, mas no esforço de manter esta carta sucinta, vou deixá-la assim.

Talvez a estas alturas, algumas dessas preocupações já tenham sido abordadas, e neste caso, me alegro!. Entretanto, se não, permito que minhas palavras sejam úteis,  agora que estão fora do meu coração e da minha mente, e nas suas mãos.

***

Publicado en Prensa Católica & Difusión (original en ingles)



Comentários

  1. madre dores ssvm eu claudia valenteferreira morro em itaporanga s.p gostaria muito de conherce voce pessoalmente sou amiga dasofia deitaporaga ela me deu o seu endereco; gostaria muito te conlhecer voces epassaralgum dianavossa companhia gostaria muito poder falar com voce pessoalmente . como e´ai no comvivio de deus. voces sao~de minas gerais. minlha familia e´muito catolica sou uma jovem de54anos.sou apixonada por jesus. por favor me esvreva meu entereso e´rua 15 de novembro 1131 cep 1848o.ooo itaporanga sp.

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  2. Passei 34;dias nessa comunidade foram os piores da minha vida,foi fazer uma experiência para entrar no Convento, Deus me livre, nem se fosse o último do mundo fiz experiência no de São Paulo.

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  3. Eu entendo todo esse desabafo da irmã, e é importante o minimo de descanso. Porém, tem uma coisa que não compreendo. A vida religiosa é realmente exigente, não pode ser vivida esperando descanso, afinal você escolheu dar a vida à Deus para serví-lo e servir a humanidade.

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  4. Eu fui aspirante no convento ssvm em São Paulo, e realmente é uma rotina exaustiva .. sai de lá traumatizada, vi muitas coisas erradas.. freiras brigando entre si, freiras se relacionando.. abuso psicológico ..entrei depois que padre buela foi condenado por abuso sexual.. nunca tocaram nesse assunto lá .. pelo contrário tratavam ele como santo

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Quero partilhar a minha experiência neste blog como mais um testemunho sobre as ações sectárias e abusivas que existem no seio da família religiosa das Servidoras do Senhor e da Virgem de Matará.  Para os que leram os outros testemunhos, podem ver por si próprios que há muitos pontos em comum, o que não é coincidência, mas prova de que assim é.  Eu era uma jovem que creía e praticava, com bastante formação religiosa. Apesar disso, nunca tive a intenção ou a vocação (falando na sua terminologia) de entrar num convento, e já houve muitos que se cruzaram no meu caminho. Nunca vi isso como uma opção para mim. 

"Experiência vocacional" no Noviciado do Verbo Encarnado

  Recebemos este testemunho enviado por um jovem vocacionado que, depois de ter feito uma experiência vocacional num seminario diocesano, quis conhecer de mais perto a vida religiosa num Instituto Religioso. Esse jovem a diferença de muitos outros percebeu que no IVE, infelizmente, não há processos de de discernimento vocacional. * Sou um jovem vocacionado e não revelarei o meu nome para guardar a minha imagem, mas gostaria de relatar aqui a minha experiência dos dias que passei no noviciado do Instituto do Verbo Encarnado, IVE. O que no início era para ter sido uma experiência de 11 dias, passei apenas 5 dias de exercícios espirituais e 3 dias de convivência no noviciado. Não estava sozinho, mas havia outros jovens que, juntamente comigo, estavam lá para uma experiência vocacional, ou seja, para que com a ajuda do superior pudéssemos discernir uma vocação à vida religiosa, mas nomes como: experiência vocacional ou discernimento como tal não foram utilizados, utilizavam a palavra con

2. Padre Buela: Visão de um leigo

Não quero extender-me em comentários, mas sem dúvida nenhuma este texto se merece. Um excelente resumo, claro, limpo, pelo menos até 2013, de uma história contada sem doses de fanatismos e de epopeya tão característicos do IVE e de seu fundador. Original em inglês Ive Info

O que realmente defende o IVE?