Seitas: termos esclarecedores
Psicólogo e psicoterapeuta espanhol.
Este texto é uma versão modificada de um outro texto preparado em 2004 para o portal Família Fórum, um espaço web orientado para resolver dúvidas e preocupações das famílias.
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O que é uma seita?
Uma relação sectária pode ser definida como qualquer relação na qual uma pessoa induz intencionalmente outra pessoa a ser quase ou totalmente dependente dela em relação às decisões da vida, persuadindo seus seguidores na convicção de que ela possui um talento especial, um dom ou um conhecimento superior. No sentido mais amplo, a relação sectária é o núcleo do que é logo observado em uma situação grupal, que especialistas concordaram em designar como uma seita coerciva. Quando falamos de seitas coercitivas, estamos nos referindo a grupos e/ou movimentos com uma estrutura piramidal rígida e onde a figura do líder é colocada acima de tudo; geralmente falamos da existência de um único líder, embora alguns grupos possam ter um par de líderes e até mesmo um pequeno grupo de liderança.
Um pressuposto comum é que uma seita é um grupo pequeno, minoritário, exclusivamente religioso. Entretanto, a experiência de anos ajudando familiares e ex-membros mostra que uma seita pode ser muito grande ou ter apenas uma dúzia ou mais de seguidores. As seitas também podem se apresentar de muitas maneiras diferentes: como associações civis, associações culturais, supostamente terapêuticas, filosóficas, religiosas, grupos de crescimento pessoal, etc. A variedade é muito grande, mas em todo caso, é importante lembrar que não é o número de pessoas ou suas doutrinas que definem um grupo como uma seita. A definição de um grupo como uma "seita" não deve ser um ataque a suas crenças. Há grupos com crenças atípicas ou particulares, mas isso não faz deles um culto; inversamente, há grupos com ideologias muito plausíveis e difundidas que podem ser um culto. Na verdade, o que define uma seita é uma estrutura de grupo particular e um funcionamento específico que visa transformar as pessoas em instrumentos. Um aspecto central deste tipo de dinâmica é a implementação de procedimentos de manipulação psicológica, destinados a dominar a vida de uma boa parte de seus seguidores; portanto, muitas vezes estes grupos podem ser designados como grupos de manipulação psicológica.
Os principais motivos de preocupação com as seitas são os seguintes:
− Desenvolvem uma ideologia radical, com matizes intolerantes em relação a outros grupos ou modos de vida.
− Mostram uma hierarquia piramidal e autoritária sob a forma de um "líder-guru" que supostamente recebeu um legado transcendente.
− Reivindicam uma referência exclusiva a sua própria interpretação da realidade, que inclui diretrizes específicas sobre crenças, ética, comportamentos diários, relações pessoais e os meios necessários para alcançar os objetivos do grupo.
− Com o passar do tempo, elas tendem a gerar rupturas em várias áreas, como, por exemplo, a ruptura com modos de pensar anteriores, com convicções anteriores, com relações afetivas, etc.
− Defendem um modelo padrão de transformação das pessoas, ou seja, que as diferenças entre os membros e a autonomia pessoal não sejam respeitadas.
− Acabam utilizando as pessoas como instrumentos, usando suas habilidades e recursos em benefício do grupo de forma exploradora, embora sempre justificada por "um bem maior".
− Emitem promessas de todos os tipos: desenvolvimento pessoal, melhores relações, poder econômico, cura, etc.
− Mascaram seus objetivos reais, que não coincidem com aqueles que oferecem externamente
− Exploram as preocupações e necessidades das pessoas, ao mesmo tempo em que promovem sentimentos de medo, culpa, medo de deixar o grupo, etc.
− Comportam riscos variados para a saúde física e emocional de muitos de seus membros.
Mitos comuns sobre as seitas
Frequentemente se têm uma série de ideias sobre seitas que nem sempre correspondem à realidade. Alguns desses equívocos vêm da propaganda das próprias seitas; por outra parte, esses equívocos vêm de estudos realizados por acadêmicos a serviço das seitas; procedem também de atitudes e preconceitos pessoais, como aqueles que dizem que "isso nunca poderia acontecer comigo".
Vamos dar uma olhada em alguns dos mitos mais difundidos:
"As seitas são escolhas religiosas". Bem, isto não é totalmente exato. Antes de tudo, porque nem todas as seitas são de natureza religiosa. Além disso, como vimos, as seitas não são problemáticas por causa de suas crenças, mas por causa da maneira como elas operam (independentemente da ideologia que elas sustentam). "As pessoas que entram em uma seita são porque já tinham intenção de entrar nelas". Esta ideia também não é totalmente precisa. Embora seja verdade que a curiosidade pode ser uma motivação importante ao se aproximar de uma seita e embora também seja verdade que há pessoas que parecem "procurar" algum lugar de contenção durante toda sua vida, a experiência de anos de trabalho nos mostra que o mais comum é que o seguidor seja seduzido e recrutado em momentos específicos de suas vidas. Geralmente, o momento mais comum de entrada é um momento de crise pessoal (por exemplo, ruptura de um parceiro, mudança de país de residência, encontrar-se sozinho, etc.). "Você vai superar isso, é um momento em sua vida". Há algumas famílias e até profissionais que podem pensar assim. É verdade que certos indivíduos podem se interessar em algum momento de suas vidas em um grupo considerado como sectário, sem se tornarem seguidores. Também é verdade que outra proporção de pessoas podem permanecer ligadas a uma seita por algum tempo e depois abandoná-la espontaneamente. Mas não devemos esquecer que um dos objetivos de uma seita é atrair e reter o maior número possível de seguidores. Portanto, cada situação deve ser avaliada individualmente para determinar o grau de risco que pode existir.
"As pessoas aderem às seitas porque já têm problemas". Este é um mito generalizado, mas deve ser esclarecido que, embora alguns membros de seitas certamente já tivessem problemas antes de entrar no grupo, a maioria dos seguidores não tinham sérios problemas psicológicos antes de ingressar em tais grupos. Em geral, se já tinham problemas anteriores, a adesão ao grupo pode ser mais fácil, uma vez que o grupo poderá encontrar exatamente aquelas razões que tornarão necessária sua adesão. Se, por outro lado, a pessoa não possuía muitos problemas anteriores, o grupo não levará muito tempo para encontrá-los (através de falsos questionários de personalidade, pseudo-terapias, reuniões de grupo, etc.).
"As seitas são fáceis de detectar. A mim não me enganam”. As seitas de hoje são extremamente camaleônicas, sabem encobrir muito bem suas verdadeiras motivações e até se escondem atrás de figuras públicas ou realizam suas atividades em lugares respeitáveis, de modo que pode acabar sendo difícil reconhecê-las. Entrar a uma seita não é uma questão racional, mas uma questão emocional; além disso, as seitas geralmente procuram pessoas com um bom nível de inteligência, porque elas serão mais produtivas.
"As pessoas que estão em uma seita são loucas, fazem coisas loucas". Este é outro mito comum, o resultado da imagem que muitas vezes é transmitida pela mídia. Geralmente, as pessoas tendem a associar a palavra seita com sexo, drogas e suicídio. Embora tenha havido casos ocasionais ao longo da história de grupos que cometeram suicídio ou outras ações muito prejudiciais, os grupos a que nos referimos não vão a tais extremos, mas podem causar danos emocionais consideráveis.
Por que razão se entra em uma seita?
Entrar numa relação sectária ou num grupo considerado como seita não é uma questão de acaso, escolha pessoal ou doença mental. A experiência acumulada mostra que a maioria das pessoas que aderem a uma seita são pessoas de bom coração, idealistas, com vontade de ajudar, com um bom nível de inteligência e que entram em um momento de crise em suas vidas.
Tanto a experiência dos profissionais quanto às pesquisas realizadas mostram que não existe um perfil único de uma pessoa que se une a uma seita. As seitas são sedutoras porque apresentam uma agenda altamente atraente e promissora. Na superfície, eles oferecem a oportunidade de satisfazer necessidades vitais, como pertencer a um grupo baseado na amizade, fraternidade e solidariedade. Desta forma, a pessoa que começa a entrar em contato com uma seita terá a sensação de entrar em algo diferente, de fazer parte de um projeto importante, de pertencer a um grupo ou de que sua vida adquira um significado transcendente.
De fato, na fase inicial, a adesão a uma seita pode gerar um certo grau de benefício pessoal, uma vez que seu nível de sofrimento seja mitigado; não terá preocupações de vida tão intensas como antes de sua entrada no grupo e viverá em uma falsa segurança psicológica. Neste processo, o grupo emprega práticas manipuladoras e enganosas (por exemplo, isolamento da família e dos amigos, minando pouco a pouco a pessoa através de dietas desequilibradas ou distúrbios do sono, o uso de métodos específicos para aumentar a sugestionabilidade e obediência, pressão dos colegas, controle da informação, suspensão da individualidade e capacidade crítica, promoção da dependência total do grupo e medo de deixá-lo, etc.) sob o pretexto de ajudar a pessoa, de modo que ela dificilmente possa deixá-lo, tanto por causa dos supostos benefícios recebidos como por causa da pressão a que está sujeita.
Embora estes grupos possam atrair pessoas de todas as idades, a faixa etária de maior risco continua a ser a adolescência e a juventude precoce. Assim, junto com momentos de crise vital ou estresse intenso, podemos encontrar outros elementos de vulnerabilidade às propostas de uma seita: ter uma personalidade dependente, falta de habilidades de relacionamento, baixa tolerância à frustração, sentimentos de alienação, idealismo, importantes deficiências emocionais e/ou espirituais, sistemas familiares conflituosos, etc.
Eles podem acionar a psicopatologia?
Os efeitos das seitas não podem ser generalizados globalmente para todos. A experiência mostra que os efeitos deste tipo de grupo são muito diversos e dependem de vários fatores, incluindo a duração do tempo gasto no grupo, o nível de envolvimento alcançado, personalidade anterior e outros. No entanto, sabe-se também que certos grupos tendem a ter um certo impacto sobre uma boa proporção de seus membros.
Em geral, aqueles que primeiro tomam consciência dos efeitos nocivos de certas práticas são geralmente os membros da família ou pessoas próximas ao seguidor, devido ao fato de que este último nega seu problema ("estou mais feliz do que nunca" ou "encontrei o grupo que estava sempre procurando"). Deve-se dizer que nem todos que entram em contato com um culto acabam sendo um seguidor totalmente envolvido; embora esses grupos sejam bastante bem-sucedidos, também é verdade que nem sempre atingem o alto número de membros de que normalmente se vangloriam.
Agora, as mudanças que são geralmente detectadas pelos membros da família e/ou pessoas próximas ao seguidor são:
− Um tempo de dedicação que tende a aumentar, enquanto que o tempo dedicado a outras atividades anteriores vai diminuindo.
− Reações irritáveis de não poder participar de atividades de grupo ou ser questionado sobre algo relacionado ao grupo
− Manifestações afiliadas excessivamente positivas em relação aos membros do grupo, sem qualquer atitude crítica, torna-se "uma nova família".
− Mudanças significativas aparecem em relação às pessoas no ambiente próximo (frio, atitudes distantes, mentiras, atitudes hostis, etc.).
− Parece haver uma crítica excessiva em relação a aspectos do passado, de modo que tudo o que era anterior ao grupo se torna "negativo".
− É dada uma importância excessiva ao grupo, com uma forte idealização.
− Começa a tolerar ou justificar a exploração do grupo em vários níveis
− Aparecem expressões emocionais de euforia ou entusiasmo.
− Parece haver uma tendência a um discurso monotemático de forma progressiva, como se estivessem falando pela boca dos outros.
− As mudanças comportamentais aparecem de acordo com o grupo (vestuário, linguagem ou comportamento sexual).
No campo da saúde mental, embora uma das consequências clínicas mais freqüentes seja o desenvolvimento de uma forte dependência, a experiência mostra que elas podem desencadear uma ampla gama de outros distúrbios. A resposta mais comum a deixar uma seita é um grau variável de anomia, bem como uma mistura de sentimentos de alienação, desconexão, culpa e confusão. Também é possível observar outros sinais que acompanham esta reação:
− Deterioro variável da memória, da atenção e de outras funções cognitivas
− Estados de "flutuação", ou seja, a sensação de reviver situações que foram vividas antes com o grupo.
− Estados depressivos como resultado da sensação de que as coisas estavam perdidas quando deixaram o grupo.
− Sentimentos de culpa - Desconfiança de si mesmos por terem sido enganados
− Medo da própria autonomia, dificuldades em encontrar a própria identidade e dificuldades em assumir compromissos emocionais.
− Dificuldade em estabelecer amizades e/ou parcerias
− Dificuldades em estabelecer relações íntimas e de confiança com outras pessoas e/ou grupos Especificamente, pode haver outras complicações de maior gravidade, como por exemplo:
− Desordem dissociativa atípica
− Psicose esquizo-afetiva
− Ansiedade induzida pelo relaxamento
− Imagens ansiosas do tipo fóbico-evitante
− Respostas agudas ao estresse em resposta ao trauma
O que fazer?
As seguintes recomendações são gerais e seria aconselhável consultar um especialista.
− Procure informações sobre o grupo ou atividade que a pessoa está freqüentando.
− Tente manter contato com a pessoa, apesar das recusas da pessoa em questão.
− Não é aconselhável a confrontação, encorajar o diálogo tolerante sobre diferentes pontos de vista e dar tempo para uma resposta através de uma reflexão respeitosa.
− Evite expressões como "você está em uma seita" ou "você sofreu uma lavagem cerebral", isso só fará com que a pessoa se desligue e se recuse a falar.
− Esteja ciente de que a pessoa sofre de um distúrbio amplamente induzido pelo grupo, respeite sua situação, mas não encoraje sua dependência de seu comportamento ou permita que eles se aproveitem de você.
− Questione o que lhe digam de forma tolerante, pode ser o resultado de desinformação ou pode ser que não se lembre corretamente.
− Seja paciente, não ceda às pressões e obstáculos que o grupo possa colocar
− Anote dados, informações e fatos de interesse que você considere importantes relacionados ao grupo e à pessoa, e que possam ajudar a entender a realidade do problema, resolver sua dependência e favorecer sua solução.
− Peça conselhos a pessoas de sua confiança, não tenha vergonha disso.
− Procure ajuda de um profissional competente, tenha certeza da experiência do profissional em outros casos semelhantes.
− Certifique-se de que o profissional seja formado no assunto, esteja ciente de que existem falsos profissionais (charlatães), profissionais autoproclamados sem experiência e até mesmo grupos sectários que afirmam "aconselhar sobre seitas".
− Observe que não há nenhum teste ou questionário que possa dizer quando uma pessoa está em uma seita, é um assunto que deve ser cuidadosamente avaliado por um profissional.
Como se sai de uma seita?
Mesmo que um grupo tenha características culturais, isso não significa que toda pessoa que entra se torna um seguidor, mas também não significa que a pessoa que entra fica para toda a vida. A experiência mostra que, de fato, muitos seguidores conseguem abandonar e deixar uma seita. Entretanto, deixar uma relação sectária é um processo complexo, difícil e doloroso. Basicamente, podemos encontrar três maneiras de sair deste tipo de grupo.
A saída voluntária. É o resultado de uma motivação pessoal e acontece quando a pessoa começa a perceber que está sendo manipulada e ocorre uma crise interna, de modo que ela começa a ver a realidade de uma maneira diferente daquela que o grupo lhe havia apresentado. De uma forma ou de outra, e apesar do envolvimento progressivo no grupo, há sempre uma pequena margem de dúvida que se acumula. Quando surge uma situação que gera um conflito, todas as dúvidas acumuladas e não expressas tendem a surgir na mente do adepto. A partir deste ponto, o tempo e a forma de abandono variará. O adepto é então confrontado com a situação de estar sozinho, sem o grupo. Portanto, é importante que este processo seja acompanhado por familiares, amigos e um profissional.
Saída por exclusão. O grupo decide expulsar o seguidor porque ele não está de acordo com as práticas ou porque não lhes convém (porque não contribuem com dinheiro, porque são muito críticos, etc.). Nesta forma de saída, assim como na anterior, será essencial para a família e amigos não perder o contato. A ajuda profissional também é necessária para garantir uma boa saída.
Saída através de intervenção terapêutica. O terceiro tipo de saída geralmente vem de um profissional externo treinado e educado para promover intervenções com membros ativos (aconselhamento de saída). Atualmente, a desprogramação, que consistia em intervenções intensivas e não voluntárias com o seguidor, não é mais praticada. A desprogramação tem sido suplantada por intervenções menos cruéis e mais respeitosas com a pessoa. Observe que não há muitos profissionais treinados em intervenções de saída.
Mais detalhes sobre os processos de intervenção de saída podem ser encontrados em outros lugares em: Educasectas
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